OLHOS DE FUBECA - Carta, Prefácios, Intro, PRIMVS
QUE NOSSO MUNDO SE EXPANDA
Ao meu Mentor.
Obrigado meu Mentor por todos os
pedidos realizados em verdade e pelos que não foram. Obrigado por aquele
momento tão profundo, quando o coletivo veio exatamente quando precisava vir.
Obrigado por aquele momento em que fui tomar água e ela saía do banheiro no
exato momento. Obrigado pelo bloqueio daquele abraço que não deveria ser feito.
Obrigado por minha frieza nas horas certas, mesmo que eu desejasse tanto estar
acima de 40º. Obrigado pelas liberdades e pelas prisões, pelas salvações e
pelas mortes. Todas elas são necessárias. Não há um sem o outro.
Obrigado,
acima de tudo, pela compreensão da ordem das coisas.
Oferto-lhe,
então, este livro. Que esta obra não seja demasiado entediante ou excitante.
Perdoe-me, no futuro, por essa mesma obra, que é obra-prima para vosso
discípulo, mas que logo se tornará algo que nunca deveria ter sido feito. E,
por favor, que isso aconteça.
Deixe-me
encontrar-te sem encontrar. Deixe-me irromper em seus domínios. Não sou gênio
consciente, sou o resto que encontra a arte no automatismo. Que todo o Universo
fale por meio de meus dedos e de minha voz.
Que
nosso mundo se expanda.
L. C. Gomes
18 de abril de 2013
S. ANDRÉ
PREFÁCIO DESINTERESSANTÍSSIMO
“Quod non es, simula”.
Ovídio
1.
Duas fubecas. Dois mundos em um. A paixão e o amor em uma. Coração de lã rosa e
vermelha em lindo gradiente de muitos pixels. Monstro verde em eterna depressão
e inveja tornando os mesmos blocos em coletáveis e até mesmo desintegrando
fundamentais.
2.
Sintaxe estilística. Não precisa fazer sentido. Teoria? Experimental? Todo pode
ser.
3.
Carros, carros demais. Carros por todos os lados. Carros nas paredes. Máquinas
automóvel produzidas para passar por cima. Carros na calçada. Carros em cima de
mim. Carros longe de mim. Próprias máquinas automóvel me atirando para longe
delas. Porque eu as renego. Eu poderia estar longe do mundo mas dentro de uma.
4. Freud,
Jung, Lacan, Skinner, Piaget, Vygotsky. Não
necessariamente nesta ordem. Mente, verbo. A Mente, substantivo. Minta pra mim,
minta mais um pouco. Eu adoro sua mentira, eu adoro seus lábios desenhando
mentiras unicamente para mim.
5.
O poder de um artigo. Classe morfológica suprema. Transforma ações em
congelamentos para apreciação de quem para (verbo) para (preposição) apreciar.
6.
O parar.
7.
Sem bloqueios agora. Que o universo fale por mim.
8.
Onde estão seus olhos? E os olhos que eram misteriosos? Há olhos mais abertos que
os seus?
9.
Olhos de fubeca.
10.
“Você conhece ‘Amour’?”.
11.
Aos 17, rimei: “Rainha há de ser sem prévio aviso”.
12.
Espero que já tenha lido Sartre. É melhor sofrer vendo a realidade criada por
ele e vista como real do que viver em uma ilusão que seu livro sagrado traz.
13.
Isso quer dizer que não estou aprovando o Existencialismo.
14.
Mas também não aprovo a escrita automática.
15.
Não sou ridículo. Talvez tenha vergonha indireta de não ser.
16.
Por onde viveu? Qual foi sua vivência?
17.
Sei tão pouco.
18.
Não preciso que ninguém entenda isto que escrevo. Os mais próximos de mim podem
captar sinais. Os críticos do futuro se encarregarão de massacrar minhas ideias
iniciais.
19.
Venha, sente-se aqui. Não transpareço, mas gostaria de
19.5.
Te beijar. Não é nada demais, é?
19.9.
Eu sei que é.
20.
Mostre sua felicidade a mim de novo. Não quero que aquela seja a última imagem
sua que terei em memória.
21.
Não peço perdão por meus erros antigos porque descobri que de nada adianta.
Hipocrisia. Siga sua vida e seja diferente, não faça nunca mais o que fez.
22.
Mas já pedi. Parece consolo ao Ego. É um consolo ao Ich.
23.
Alemão, eu adoraria aprender. O mundo não fala alemão. Eu não falo alemão.
24.
“Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra é por vaidade. Si
não mostra é por vaidade também”. Andrade.
25.
Estou sendo pedante por escrever desta forma? Que forma?
26. Pode chorar. Chore. Assim toda sua tristeza
se desfaz. Deixe sair. Faça-me chorar. Eu quero que isto saia. Faça com que
saia.
27.
Não era pra ser assim. Tão triste. Mas o inconsciente fugiu de mim, passou por
mim e quando vi já tinha passado por aqui.
28.
NÃO ME SIGAM. Eu já não sigo o fundador disto.
29.
Isto não é uma escola.
30.
Mas aplaudam-me. Ou não estaria escrevendo.
PREFÁCIO
Caro
leitor.
É
com muito prazer que trago esta história a você. Esta é, oficialmente, minha
primeira tentativa de escrever novamente desde o ano de 2011. Desde então, venho
escrevendo coisas que jamais termino. Posso até mesmo enumerá-las.
Esta,
porém, possui um caráter totalmente diferenciado. Não mais procurando a obra de
arte apreciada pelas escolas literárias de renome e pompa, pode-se dizer que
vou na contramão.
Não
obra unicamente modernista, mas uma verdadeira colcha de retalhos (alguns até
poderiam dizer que esta é exatamente a principal característica modernista), Olhos de Fubeca não é rapsódia ou
romance. Não é fic ou obra-prima da literatura brasileira. É algo sem nome até
agora, não é de categoria alguma e não há de ser. Não tenho a prepotência de
achar que isto é grande coisa. E não é. Mas é, sim, grande coisa para aqueles
que se identificarem. E essa é a verdadeira obra de arte.
O
leitor procura a catarse. O autor, a purgação. É tal e qual a mesma coisa, tão
somente mudando o lado onde o homem se encontra. Não há literatura sem
conflito, sem a demonstração da vida cotidiana muito mais viva que a própria
vida. A arte tem que ser mais realística que o real, mais verossímil que a
verdade. Nunca é arte pela arte.
Foi
pensando em tudo isso que voltei a escrever. Escrevo deixando meus dedos se
levarem por forças que desconheço, das quais não possuo controle algum e nem
desejo ter, ou a escrita nunca se faria.
A
Arte é inútil e, exatamente por isso, essencial ao homem. Lutamos
incansavelmente pelo sentido, mas o que nos acalma é a desordem. Por que
regredimos do ápice intelectual que presenciamos, como humanidade, nos séculos
XIX e XX?
Outras
coisas, é claro, contribuíram para esta escrita. Incluem-se a maior
experiência, o maior estudo, os maiores contatos sociais que possuo agora do
que possuía em tempos passados. Talvez mais maturidade, talvez mais empatia,
talvez maior visão de mundo. Quero dizer que a ideia inicial e bruta foi de
Math, exatamente como com a história anterior. Uma fagulha que logo se
transformou em incêndio incontrolável, o qual sinceramente espero que não se
mostre queimando palha.
A
obra falará por si, e falará muito mais e melhor do que qualquer prefácio
gigantesco. Fernando Sabino já dizia, com muita propriedade, que o maior
desafio do escritor nunca é e nunca será o ato de escrever ou a escolha da
palavra certa; é, sim, a capacidade de síntese, de dizer muito em pouco. “Tudo
conspira contra escrever”.
Muito
mais singelo do que pode parecer, é até brincadeira de criança. Não espere
grandes conflitos, leitor, não espere um Dostoievski, um Guimarães. É essa
imagem singela, e somente essa imagem que quero ver aqui.
É
essa imagem infantil e ingênua, porém tão sofrida e vivida, somente essa imagem
que quero ver nos teus olhos de fubeca...
Olhos
de Fubeca
Tocava
lá uma caixinha de música.
Em
cima um cavalinho a girar.
Não
era lá uma coisa lúdica,
o
frio estava ela a anunciar.
Era
tão pequena quanto a
menina
sua dona, que só
queria
dormir mais um
pouquinho,
para ficar
mais
naquele sonho
tão
belo e distinto
da
sua vigília de
rotina
diária.
Mas
estava
acabando
como
a
melo
dia
.
Intro
O
senhor Manoel estava mais uma manhã tomando seu café da manhã naquele café. Mal
sabiam aqueles que sempre o viam que ele sempre estava lá por um motivo que
transcendia a bebida negra que estava sempre sem açúcar. Bebida que sempre se
tornava doce demais por seu descuido com as colheradas porque sempre se
distraía demais com o motivo transcendental ao café.
Era
a senhora Adelaide que todas as manhãs ia tomar seu café da manhã naquele café.
Ela sempre tomava assento à mesa que dava uma bela vista à rua. Senhor Manoel
ficava a duas mesas de distância. Como o bairro era calmo, demasiado calmo
sempre estavam só os dois naquele café. Ele todas as noites inventava de fazer
algo diferente na manhã seguinte, como puxar assunto. Todas as manhãs acordava,
tomava um bom banho quente pelando e se perfumava como o jovem que um dia fora.
Mas era sempre a mesma coisa, um imprevisto sempre destruía seus planos tão
delicadamente scriptados e ficava ele impotente de qualquer coisa.
Então
a manhã chegou em que ele ficaria de saco cheio e faria tudo naquela hora
mesmo! Tomou toda sua xícara num só gole, fez careta pelo excesso de açúcar que
do nada correu por suas veias, levantou e foi até ela.
Andou,
andou. Achegou-se à mesa e
—
SOCORRO MEU DEUS DO CÉU!
Um
tumulto na rua como se Napoleão voltasse dos mortos! Pessoas correndo feito
loucas na calçada logo em frente ao café naquele bairro tão calmo (demasiado
calmo)! Senhora Adelaide levou um susto deste tamanho e instintivamente abraçou
o senhor Manoel, chamando-o de Meu herói.
Foi
quando senhor Manoel acordou de seu devaneio com a xícara de café cheia e um
tipo muito do estranho adentrando o café. A gritaria era real!
O
tipo muito do estranho totalmente alheio ao escândalo atravessou o café e tomou
assento no balcão.
—
Uma garrafa de rum!
O
cafeteiro (que era o homem que sempre servia o café no balcão) fez careta e
riu-se dele. Mas eis que o cara ficou bruxão, o pegou pelo colarinho e pediu de
novo!
—
Eu quero rum!
—
Não temos rum, senhor! Só temos café!
—
O quê?! Não tem rum nessa pocilga?!
Largou
o cafeteiro que lhe negou bebida e pulou o balcão. Ele acreditava em
desconhecidos não. Começou a procurar garrafas de rum mas não as encontrava.
Senhora
Adelaide já tinha dado no pé e senhor Manoel, deitado o cabelo.
Quem
marcava presença era um outro tipo estranho. E esse, finalmente, era o nosso
protagonista. O cafeteiro, o tipo muito do estranho e os dois senhores surgindo
do cenário aplaudiram para depois logo voltarem a suas práticas de antes. Aí o
tipo muito do estranho percebeu para quem bateu palmas.
—Larga
do meu pé!
Era
que o tipo estranho que acabara de chegar era Luke, o capitão da pequena
pequeníssima tropa de piratas rival, que só não era mais pequena que a do
próprio tipo muito do estranho, cujo nome era Rojão, porque a deste só tinha ele
mesmo.
—
Batendo em atendentes de café e espantando velhinhos, bem sua cara!
—
Ora!
—
Por que não bate em um homem?
—
Onde ele está?
Então
os dois brigaram bastante no meio do café, jogando mesas pra todos os lados.
Quando cansaram e estavam muito apanhados, pra não dar trégua a interpretações
de que fizeram as pazes e estavam deitados um ao lado do outro, Luke já
disparou um
—
Pode me entregar a coroa!
Era
que Rojão tinha coroa nenhuma não, mas Luke teimava em teimar que Rojão era o
motivo de todos os seus males e infortúnios.
A
Coroa de Rude é um dos maiores tesouros da história da humanidade. Pertenceu ao
grande rei e salvador Rude, do reino de Calurn. Sua história foi trágica:
morreu como um mártir nas masmorras do seu próprio palácio, no meio da
madrugada, porque era muito fácil entrar pela entrada da frente do castelo.
Claro que há muitas divergências nessa história, mas ela não faz parte desta
história. O que nos importa é a coroa e só a coroa, não o cara.
—
Para com isso Luke, não vê que não tenho coroa nenhuma!
—
Palavras criam verdades.
Discutiram
muito sem chegar em lugar nenhum e desistiram por hoje, cada um indo pro seu
canto. Eis que a apresentação de alguns dos nossos personagens se fez.
PRIMVS
Luke
chegou muito do brabo em sua embarcação mas não foi pela discussão não porque
pela discussão chegaram em lugar nenhum. Foi por suas pernas. O primeiro que
encontrou foi Rion, que era seu amigo de infância e que logo percebeu a
preocupação do capitão. Deu-lhe um abraço fraterno para acalmá-lo e funcionou.
Por pouco tempo, pois a memória da coroa não saía de sua mente.
—
Maldito Rojão!
Então
resolveu finalmente terminar com tudo isso de uma só vez. Invocou uma reunião
extraordinária em sua cabine, que era grande como uma suíte, bem diferente de
sua tripulação que parecia mais pescadores de uma pequena comunidade de
barracos na praia. E isso é uma ofensa e tanto no mundo piratístico.
George
B. se encontrava na mesa de reunião muito antes de todo mundo. Estava
analisando os mapas e todos os seus relatos, arrumando o monóculo sem parar mas
muito concentrado ainda assim. Rion chegou e sentou ao seu lado, sem
atrapalhar o companheiro. Quando chegou o capitão, Juan ainda não havia
chegado, o que foi suficiente para fazê-lo subir e descer.
—
Quem vê pensa que faz alguma coisa.
Juan
chegou minutos depois pedindo desculpas divertido, o que fez o nervoso passar
logo. Juan era cozinheiro. Então um Luke mais calmo retornou a falar.
—
Muito bem, estamos aqui reunidos para um assunto muito sério. Rojão passou dos
limites e está com a coroa. Não quero saber de negações. O que quero é que
todos estejam cientes que hoje teremos batalha!
George,
que já estava avisado de antemão e que era muito sabido, já dissera ao seu
capitão o paradeiro do inimigo. Claro que, por ser muito sabido, naturalmente
não concordava que Rojão estava com a coroa. Claro que, por ser muito amigo do
capitão, acabou acatando suas ordens sem muito titubear, mesmo sabendo que não
era lá um ato muito de amigo. Mas tinha esperança de Luke saber uma hora ou
outra, pois era muito sábio além de sabido.
—George
já me informou que Rojão está no cais recém-inaugurado do porto de Juiz de
Fora, esperando pela festa de inauguração oficial de hoje à noite. Será muito
fácil chegar lá sem demorar muito, pois com a expansão da Perimetral em Santo
André não pegaremos trânsito como seria em tempos passados.
As
ordens foram aceitas em uníssono silêncio. George sempre apertava a tampa da
caneta no queixo quando se segurava pra falar alguma coisa, mas ninguém
percebeu. O que se passava na mente de cada um traduziria muito bem a
personalidade de cada um, economizando assim tempo e dedo do autor, dependendo
mais do aguçamento do intelecto do leitor.
Rion estava pensando se seria boa ideia essa batalha, preocupado com seu capitão.
Rojão era exatamente três vezes alguma coisa maior que Luke, em todos os
sentidos imagináveis pela mente humana.
George
estava encafifado porque sabia que Rojão tinha coroa nenhuma não, como já foi
dito.
Juan
estava animado, pois teria a chance de usar seus vários dotes para uma noite
mais divertida em novas terras, onde naturalmente haveria nova gente. Juan era
cozinheiro.
Luke
estava cego em seu desejo de vingança e traria para o navio toda a glória que
tanto procurara.
Rojão
estava em um hotel exatamente onde George dissera que estaria. Estava em seu
quarto, sentado à cadeira de madeira, olhando pela janelona todo o infinito
mar, ouvindo Drummond na Voz de Drummond pela quadragésima-sétima vez naquela
tarde.
—
Como a vida muda — disse o aparelho
celular que comprara em quarenta e oito vezes no crediário.
—
Como a vida muda — disse o comprador ao mesmo tempo, glorificando os novos
tempos e suas invenções.
Eis
que uma embarcação tomava todo o seu campo de visão, mas ele não via porque
tinha fechado os olhos. Abrindo caminho vinha o cavalo rampante, triunfante na
ponta do casco. Por ser tão enorme, o navio gigantesco estacionou rente às
paredes do cais, mas a ponta por um triz não quebrava a janelona do quarto.
PÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Tudo
no quarto voou longe, foi pedaço de vidro pra todo lado, mas ninguém se cortou
porque não era pra se cortar. Como tudo mas tudo mesmo voou longe, Rojão e sua
cadeirinha foram para lá no outro lado.
Como
verdadeiros piratas de circo, saíram Rion e Juan do navio, adentraram com
agilidade fantástica o quarto de Rojão e o capturaram! George preferiu ficar
estudando um bocado mais e Luke ficou triunfante atrás pois era esse seu
trabalho de capitão e recebia pra isso mesmo.
Já
estavam longe, no meio de um dos mares, quando resolveram todos visitar o
prisioneiro de guerra. Já era noite profunda, pois se atrasaram demais quando
decidiram pegar um desvio na Rua das Monções.
—
Quando vi o ônibus B13 correndo feito louco enquanto estávamos parados na
Industrial, achei que era boa ideia segui-lo!
— defendeu-se Juan.
—
Nunca mais deixe um cozinheiro com as mãos no leme. — arrematou Luke.
Todos
riram.
Chegaram
finalmente ao interior do casco do navio, aquele lugar em que carregavam
escravos, mas ali era bem limpinho e não tinham escravos. Rojão estava amarrado
à uma tora grossona, a mesma que suportava uma das velas lá em cima. George e Rion levavam velas para iluminar, enquanto Juan vinha no meio e Luke ia à frente,
agora dando uma de corajoso porque o cara tava preso.
—
É sua última chance para se render e entregar a coroa, meu caro amigo. Podemos
fazer tudo com você aqui, você está nas nossas mãos! Pense bem e resolva logo,
você é um pirata inteligente.
—
NÃO TENHO COROA NENHUMA
—
Não me diga que quer que te levemos à prancha...
Todos
gritaram um YES batendo palma, pularam e deram risada. Rojão não entendeu, mas
o motivo era simples. Explico rápido enquanto Luke é carregado glorioso por sua
tripulação. É que eles nunca tiveram um prisioneiro e nunca puderam ameaçar
alguém com a prancha. Era um sonho realizado! Logo o clima desceu de novo e as
velas reapareceram magicamente às mãos dos dois ajudantes.
Ora,
mas Rojão era forte demais! Antes de Luke se recuperar totalmente da exaltação,
ele já havia se soltado das amarras e já deferia um golpe fantástico na cara do
pirata-capitão! Luke e Rion pularam pra cima, mas sem chance. Foi nocaute.
George, que era muito sabido, não atacou não, fez melhor.
—
Rojão, meu caro, nós não precisávamos disso... Por que fomos nos separar?
Rojão
deixou o sangue esfriar e memórias vieram à mente. Um tempo feliz...
Foi
uma época quando Luke, George e Rojão estavam iniciando oficialmente na
carreira de pirata. Havia um quarto elemento na época, o já renomado Edil,
pirata do sexto mar. Juntos todos aprenderiam um bocado um com o outro e logo
poderiam fazer parte da elite dos oceanos! Tinha tudo pra dar certo: nas
reuniões, todos se davam bem, todos conversavam, trocava uma ideia, sabiam
reconhecer o talento individual de cada um de si. Mas aí apareceram
divergências... o já esquentado Rojão que gosta de ter sua alma livre por aí se
contrapôs demais à personalidade um tanto quanto metódica e chata de Luke, que
já começara a pegar no pé e ser chato. A sociedade então se desfez. Rojão sumiu
no mundo para reaparecer depois, Edil decidiu deixar a confusão pra lá e
procurar outras aventuras em seu mar e George acabou por decidir a se juntar a
Luke e se afeiçoou a ele.
Rojão
às beiras das lágrimas. Começou a se sentir mal pelas lamúrias dos seus
potenciais colegas, todos estirados no chão... Cumprimentou George e ajudou-o a
ajudar o pessoal. O problema era que Luke era teimoso demais!
—
Saia daqui! Você está com essa maldita coroa só pra você e agora quer se juntar
a nós! Nem mesmo ligo das pancadas, pois sequestramos você, mas o fato da coroa
é imperdoável! Saia deste barco!
Foi
difícil o pessoal acalmá-lo. Levaram ele pro quarto, Rion e George ficaram
conversando com ele. Juan não desta vez, pois fora fazer a janta muito
atrasado. Juan era cozinheiro. George falou muito, sem sucesso, Rion ficava na
torcida, o que era algo bastante pesado já. George teve sucesso quando
demonstrou estar nervoso, é quando Luke sabe bem que é hora de concordar. Então
todos ficaram amigos novamente.
Rojão
agora era o responsável pelos canhões e pelas armas. Ele já tinha muita
experiência nisso. Luke então se tocou e percebeu o quanto ganhara com isso:
agora poderiam entrar em batalha contra piratas inimigos!
Mas
onde estaria a coroa?
Dormiram
bem depois da janta. Juan não muito, pois queria ter encontrado gente nova
quando foi pra praia de Minas, mas dormiu bem assim mesmo.
Rojão
passou todo o dia seguinte tentando convencer de vez o capitão que ele estava
com coroa nenhuma não. Foram até o finzinho da tarde discutindo pacificamente,
até que o mais novo tripulante, sem ver saída, acaba mostrando uma prova
definitiva...
—
Aqui está a uma prova definitiva...
Tirou
do bolso o aparelho que só pagaria em noventa dias. Abriu um áudio e deixou bem
perto da orelha do capitão. Era uma voz feminina bem soltinha...
— Então... a gente
tá com aquela coroa... se você quiser mesmo, podemos levá-la daqui... aí você
me leva também hihihi...
Era
uma das tripulantes de um navio inimigo! Rojão conseguiu entrar em contato com
ela naquela mesma madrugada antes de dormir, já ganhando o coração da pobre
moça. Rojão era muito espião! Juan ficou sabendo disso alguma hora aí que não é
importante, ficando bastante invejoso arrumando desculpas para acalmar-se.
—
Essa é uma das moças da tripulação de Stên, a terrível pirata-rainha do
terceiro mar, Luke! Ela é quem está com a Coroa de Rude!
Os
olhos de Luke brilharam feito duas Coroas de Rude em miniatura. Vendo a euforia
do capitão, o amigo recuperado já avisava:
—
Ninguém pode contra ela!
Luke
não botou fé. Convocou mais uma reunião extraordinária.
Agora
a tripulação já estava um nível acima de mera reunião de pescadores. Agora já
eram pescadores metidos a navegadores, coisa grande! Vale lembrar que tais
níveis de status são oficiais e carimbados no mundo piratístico, reconhecido em
cartório no 21º Tabelião de Nautas. São os seguintes títulos separados em
Ordens:
PRIMEIRA
ORDEM – M.M.: MASTO MINOR
0º=0
Aspirante (normalmente criança que sonha toda noite que é pirata,
frequentemente com amigos, lutando com espadinhas de madeira);
1º=10
Rojão (uma tripulação de uma pessoa só, possível até mesmo não possuir navio
próprio);
2º=9
Duplinha Dinâmica (duas pessoas na tripulação, coisa ridícula);
3º=8
Pescadores de Uma Pequena Comunidade (um capitão e três marujos; quando
adicionado ao fim do título um “de barracos na praia”, torna-se um tremendo de
um palavrão);
4º=7
Pescadores Metidos a Navegadores (um capitão e quatro marujos, tendo já um
plano de dominar algo alheio);
SEGUNDA
ORDEM – L.M.: LEME MEDIUS
5º=6
Marujo (já surrupiou bens e já é temido por velhinhas que pegam ônibus gratuitamente);
6º=5
Navicularius (já possui pelo menos dois barcos em sua frota além do navio
principal);
7º=4
Capitão Exemplo (tripulação cujo capitão já entrou como candidato a Presidente
de um mar);
TERCEIRA
ORDEM – P.M.: PUPPA MAGISTRA
8º=3
Presidência (tripulação cujo capitão foi eleito Presidente de um mar);
9º=2
Nauta Exemptus (tripulação cujo capitão perdeu a eleição para Presidente mas
usou de meios obscuros para tomar posse);
10º=1
Ipsissississimus (tripulação cujo capitão virou Rei e detentor de todo o poder
em um sistema presidencial democrático parlamentar).
A
reunião estava em andamento esse tempo todo. George já avisou que seria muito
difícil encontrar Stên, bem diferente da rapidez seria que foi com a que ele
encontrou o paradeiro de Rojão. Luke apavorou-se: e agora? Ficaram a pensar.
Então Rojão lembrou a toda a equipe que
—
se for pra ser, será! Há uma força que nos leva automaticamente ao nosso
destino, uma força desconhecida, lembram-se? Pois vamos ao leme, o giraremos e
iremos para onde o nosso coração coletivo nos levar!
Luke
concordou na hora, sentindo-se um idiota por não lembrar de uma das leis
básicas da vida e do destino. Subiram correndo para a cabininha dos controles.
Como estavam no meio do oceano, giraram muitos graus em velocidade moderada
para que ninguém sentisse enjoo. Claro que Juan sentiu, pois seu estômago era
muito sensível. Juan era cozinheiro.
—
Pois iremos para Oeste!
O
vento ajudou: tudo conspirava para o sucesso. As velas se expandiram e lá foram
eles ao mais profundo do horizonte. Foram pela tarde em grande festa, Juan fez
uma grande macarronada e acompanharam com o melhor rum da adega, coisa bastante
comum entre piratas. A mesa estava posta bem no meio, abaixo das velas, com
aquele manto azul claro tão limpo sobre eles. Queriam alguns discutir sobre
gramática do português contemporâneo, mas outros queriam literatura moderna
enquanto outros preferiam os números. Até que entraram em certo consenso e
todos participaram.
Quando
o sono bateu, estavam mais felizes que deviam. Exceto George, que já estava no
sexto sono e mais ou menos no segundo sonho, um sonho que não seria lembrado ao
acordar pela manhã. Quase deixaram o navio na rota e foram dormir, mas
preferiram não dar origem a um filme Hollywoodiano de sucesso e se lembraram.
Luke brecou o navio murchando as velas e jogando uma âncora que não chegou a
chegar ao fundo do oceano. De manhã estaria no meio do caminho ainda.
É
que eles não sabiam que estavam no chamado Abismo da Sorte. Era a fronteira
entre o Sem-Número Mar e o Terceiro Mar. Tinha o nome porque sempre que as
embarcações chegavam ali ficava de noite e tinham que parar para descansar
porque o sono sempre vinha. Era ter muita sorte não ser atacado enquanto
dormiam.
E
teriam eles sorte?
Teriam
não.
Stên
ficou sabendo que alguém adentrava seus domínios. Já de saco cheio de tantos
intrusos não tendo um pingo de respeito por suas águas, disse a sua tripulação
que é composta somente de mulheres com voz trovejante.
—
Agora é por minha conta! Vou deixar bem claro de uma vez por todas quem é a
V.M. Rainha Stên I do Terceiro Mar.
Seu
navio principal tinha quase o quíntuplo do tamanho geral do navio de Luke, além
de ser muito mais rápido e potente: tinha a força de 1000 cavalos. Eles foram
colocados todos dentro do casco do navio e corriam quando mandados pra correr
por uns chicotões, as pernas, colocadas tecnicamente para fora do casco,
servindo de remos selvagens. Situação deplorável, somente para ilustrar
vagamente a terrível índole de Stên, a Rainha do Terceiro Mar.
Aquele
transatlântico foi sendo acompanhado por toda sua frota, um número que
transpassava muito facilmente as dezenas de centenas. A menor embarcação da
frota já era duas vezes maior que a única de nosso herói! Ia iluminando o
caminho um holofote surrupiado de um barzinho na Rua das Figueiras, quando Stên
fez um passeio por lá para causar com os descolados festeiros de sexta-feira,
dizendo a eles que nunca teriam a capacidade de chegar aonde ela chegara, com
formação acadêmica máxima e tudo. O holofote fora colocado bem no bico do
casco, no lugar da antiga imagem que abria caminho. Tinham que avançar no
tempo, né.
George,
como se pressentisse, acordou naquele meio de madrugada. Subiu no cavalo
rampante na ponta do casco como gostava de fazer e curtia o lençol estrelado
transformado em azul lindo pela fraca iluminação lunar. Só que aí percebeu que
uma segunda lua surgia e só crescia. Ficou encarando bobo, a cabeça fundindo os
miolos. Vinha do horizonte, feito foguete (pois já conhecia foguetes) ou
Estrela da Morte (conhecia também muito bem cultura pop do século XX) caindo
sobre nós. Percebeu então pequenas embarcações se aproximando, apavorou-se mas
congelou onde estava e não conseguia sair dali pra avisar o pessoal. As
embarcações também cresciam e apareciam mais e mais e mais, a segunda lua
imensa o cegava. Um monóculo está até hoje no fundo do mar.
Nesse
meio tempo, Luke finalmente encontrava a Coroa de Rude. Descobrira que estava
naquele café onde Rojão procurava por rum. Passou por senhor Manoel que batia
um papo muito do gostoso com senhora Adelaide, adentrou a portinha dos fundos
atrás do balcão e encontrou uma caixona de madeira. Claro que era madrugada,
então não havia ninguém lá além de estar muito escurão feito breu puro. Uma
ninfa das águas muito charmosa e linda apareceu e dançava ali em volta, fazendo
agrados e gracinhas pro capitão e abrindo a caixa e até algo mais para ele. Um
brilho dourado saía com força devastadora de dentro e destruiu o telhado pra ir
até o céu negro. A coroa saía levitando, levitou levitou levitou e pousou como
passarinho na cabeça de Luke, então ele ganhava a glória eterna e ainda uma
ninfa como amiga só pra ele. Estava tão feliz e em glória que pensou que podia
agora morrer feliz... cuidado com o que
desejas, lembrou sua nova amiguinha.
—
LUKE!
A
porta do quarto estava prestes a ser arrancada das dobradiças, mas o capitão
sim foi arrancado sem dó nem piedade de seu sonho maravilhoso. Era George sem
monóculo num bate que bate em porta de quarto de capitão que não está na
história.
—
O que aconteceu?!
—
Estaremos sob ataque a qualquer momento agora!